quarta-feira, 4 de abril de 2007

Quando começa a vida humana?

No dia 20 de Abril, o Supremo Tribunal Federal irá, pela primeira vez em sua história, ouvir um conselho de especialistas antes de tomar uma decisão. E o tema da discussão não poderia ser mais polêmico: podemos usar células-tronco embrionárias para pesquisas científicas?
Células-tronco são células indiferenciadas, que podem, em teoria, substituir células de todos os tecidos, o que poderia possibilitar a cura de inúmeras doenças e revolucionar a medicina. Essas células podem ser encontradas em tecidos adultos e em embriões. Porém, as células retiradas de tecidos adultos podem se transformar em um número limitado de tecidos, o que explica o interesse pela pesquisa com células embrionárias, que poderiam se diferenciar em qualquer tipo de célula. Mas há um grande problema ético na pesquisa com células-tronco embrionárias: a retirada dessas células causa a morte do embrião.
Atualmente, essas pesquisas são permitidas no Brasil. A Lei de Biossegurança, aprovada no Congresso em 2005, após um debate entre setores da sociedade, permite o uso de células-tronco de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados, desde que sejam inviáveis ou congelados há mais de três anos, com o consentimento dos genitores. No entanto, muitos argumentam que um embrião é um ser humano, e é portanto, protegido pelo artigo 5º da Constituição, que garante a “inviolabilidade do direito à vida”. Mas um embrião pode ser considerado um ser humano? Afinal, quando começa a vida humana? Essa questão é altamente complexa, não tendo uma única resposta, e pode levar a outra questão ainda mais complexa: o que é um ser humano?
Essas questões têm sido discutidas há milênios, por filósofos, teólogos, cientistas... com certeza, não será uma comissão formada por 17 “especialistas” convocados pelo STF que vai resolver questões que já fascinaram Platão, Aristóteles, Hipócrates e Leonardo da Vinci. Todos esses grandes pensadores já gastaram anos de pesquisa para descobrir quando começa a vida humana.
Até hoje há diversas versões diferentes: alguns afirmam que a vida começa no momento da fecundação (posição defendida pela Igreja Católica); outros dizem que ela começa quando o coração do feto começa a bater, por volta da 4ª semana; alguns insistem que a vida só começa no momento do nascimento; há ainda alguns que afirmam que a vida começa aos quarenta. Chegar a um consenso sobre isso é impossível.
O uso de células-tronco embrionárias é uma das maiores discussões éticas atuais. O que será que diria Aristóteles, considerado por muitos o “pai da Ética”? Bem, ele, por volta de 322 aC, já havia elaborado uma teoria que pode ser citada: ele afirmava que o embrião humano teria primeiramente um princípio vital meramente vegetativo; depois seria animado por um princípio vital vegetativo e sensitivo, e só posteriormente por um princípio (anima) vegetativo, sensitivo e intelectivo ou por uma alma humana propriamente dita. Só a partir desse ponto, que ele afirmava ser por volta dos 40 dias de gestação, o embrião se tornava um ser humano propriamente dito. Como os embriões usados em pesquisas têm no máximo 2 semanas, não são propriamente humanos, segundo a definição aristotélica, e podem ser sacrificados para salvar vidas humanas. Quem diria que Aristóteles, que viveu no século IV aC, seria a favor das pesquisas com células-tronco!

7 comentários:

Anônimo disse...

Excelente tópico para discussão. Principalmente pelo momento de neo-conservadorismo que vivemos. Aristóteles mostrava ser um indivíduo a frente de seu tempo ao possuir uma posição bastante liberal em sua epoca. Mas uma pergunta que gostaria de deixar aqui: Supostamente vivemos num estado laico. Opiniões religiosas devem ser ouvidas num estado laico na hora que as leis são feitas?

Gabriel H. disse...

Oficialmente, o Brasil é um país sem religião. Não devemos, portanto, nos guiar pelos principios dessa ou daquela Igreja para criar nossas leis. Tampouco são os filósofos quem devem determinar a legislação brasileira sobre a vida humana.
Em questões como essa, a voz da ciência deve ser ouvia em primeiro lugar e qto à vida há uma quase concordância no meio científico: ela começa qdo passa a haver atividade cerebral - da mesma forma q ela termina com o fim dessa atividade.

Parabéns pelo blog de vocês!
Abraços,
Agá
PS: Sou do JoC e meu blog é o http://sardinhaemlata.blogspot.com

Pedro Zambarda disse...

Esses estudos aristotélicos, se não me engano, foram citados no livro "Por um fio" do doutor Dráuzio Varella.

Ótimo tópico científico-filosófico.

Cecília do Lago disse...

Queria acrecentar algumas coisas:
Até o primeiro mês de gestaçao é praticamente impossível diferenciar fenotipicamente os embriões dos mamíferos em geral (guardadas as devidas proporções de tempo de gestação).
Há também uma porção de especialista da neurociência que defendem que o embrião tem sua mente formada na 6ª semana de gestação, período que o embrião recebe as doses fundamentais de hormônios que regem o desenvolvimento do cérebro, escolhendo até o sexo dele, independentemente do sexo cromossômico.
A partir de todas essas visões podemos nos perguntar quando exatamente a vida humana começa. Quando formamos nosssa primeira célula com o DNA completo, no ato da fecundação? Quando o coração começa a bater, na 4ª semana? Quando o cérebro começa plenamente suas atividades, na 6ª semana? Quando a mãe dá a luz?
Essa dicussão nos mostra como é polêmico esse assunto, principalmente no campo das leis da constituição. O aborto também não seria uma violação ao artigo 5 da constituição? Será que não seria contraditório liberarmos as pequisas com células tronco e mantermos o aborto proibido? Ou devemos liberar o aborto e dar as mães o direito de decidir sobre seu próprio corpo e a vida que ele gera? E quanto direito um pai tem ou não tem na decisão de abortar uma gestação?

Essa é uma discussão longa e difícil, pois envolve vários conceitos religiosos e até dogmas. Discordo com o comentário do gabriel h. de que o Brasil é um país sem religião. Temos 70% de cristãos católicos. Mas resta saber ainda qual a opinião das outras religiões (cristãos protestantes, judeus, ubanda, islâmicos, entre outros) quanto a esses assuntos.

O post está muito bom!!! Parabéns, Diego!!

Anônimo disse...

Bom, creio eu que essa é uma questão complicada para a humanidade como um todo. Porém, eu analiso da seguinte forma, acho que um embrião ainda não é um ser humano, ou seja, uma vida. Vendo pelo lado de que ele ainda não foi fecundado e consequentemente não está se desenvolvendo. Acho que seria otimo salvar vidas, utilizando esse método de pesquisa, pode ser um grande avanço que está tendo seu processo retardado, por questões que muitas vezes ficam para ser decididas por pessoas de mentes fechadas. De qualquer forma, se deixam pessoas que já tem uma vida formada morrerem, acredito que seja uma forma de "matá-las" também, impossibilitando muitas vezes nesse caso, o processo de pesquisa da cura.

Essa é minha opinião.

Parabéns pelo blog! Muito bom!

Anônimo disse...

Ótimo texto posto em discussão [filosófica], Diego. Penso que nunca haverá um parecer consensual. No entanto, imagino que, um dia, a Igreja não mais penderá para este, se é que posso ou devo chamá-lo assim, conservadorismo. Jogou muito bem com o lance dos "quarenta", gostei!

Loop Woop Hoop disse...

Belo texto.
Claro, a religião não deve, e também não pode decidir sobre essa, nem nenhuma outra questão, ainda mais científica. Sendo que seu poder máximo está sob seus devotos, o que é uma pena, pois muitos bons cientistas podem ter sido desperdiçados em função de respeitar a sua religião.