domingo, 12 de agosto de 2007

O sexto saber: o conjunto humano contra sua fragilidade individual


"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

A Descoberta do Mundo, Clarice Lispector

Essa frase não está na íntegra no Museu da Língua Portuguesa, perto da estação Luz de metrô. No entanto, das várias citações da exposição A Hora da Estrela, homenageando trinta anos de morte da escritora, essa é uma das que me marcou por sua enorme exposição em três paredes de gesso. São trechos de obras que nos levam a reflexão dessa mulher que, além de feminista, foi uma assídua escritora sobre o cotidiano feminino, da capacidade das mulheres de desconhecerem suas frustrações ou conhecê-las em detalhes.

E Clarice não é única nessa sua práxis literária: o século XX foi rodeado de escritores que mudaram o estilo de narrar, que trouxeram situações mínimas num contexto social muito maior e mais abrangente. São escritores, alguns, introspectivos, que tornaram explícita a fragilidade do ser humano frente às convicções do passadas no cientificismo, na perfeição das descobertas tecnológicas.

Edgar Morin, em seu livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, fala do Ensinar a Compreensão como um dos ensinamentos fundamentais para funcionar com os demais. Em seus escritos sobre a introspecção, ele profere:

"A prática mental do auto-exame permanente é necessária, já que a compreensão de nossas fraquezas ou faltas é a via para a compreensão das do outro. Se descobrirmos que somos todos seres falíveis, frágeis, insuficientes, carentes, então podemos descobrir que necessitamos de mútua compreensão.

O auto-exame crítico permite que nos descentremos com relação a nós mesmos e, por conseguinte, que reconheçamos e julguemos nosso egocentrismo. Permite que não assumamos a posição de juiz de todas as coisas."

Esse capítulo é uma exigência do futuro cada vez mais incerto e repleto de conhecimentos especializados, sem uma abordagem complexa, acolhedora e integradora. É um convite ao hábito de nos tornarmos humildes, uma característica escassa no atual contexto. É "ter loucura sem estar doida" de Clarice. Uma introspecção, fuga de si, que está presente em vários autores da literatura, mas que permanece ausente nas ciências ditas como exatas ou biológicas.

Poucos conhecimentos técnicos conseguem averiguar o simples do frágil. E é impossível entender os defeitos sem observar os outros e a si mesmo.

"Enquanto na vida cotidiana ficamos quase indiferentes às misérias físicas e morais, sentimos compaixão e comiseração na leitura de um romance ou na projeção de um filme."

Reflita sobre esse saber na próxima vez que estiver sensível em seus passatempos. Não pense mais que está sozinho, imagine que talvez tenhamos construído certas sensações, completamente individuais ao resto....

2 comentários:

Anônimo disse...

Com certeza entender a si próprio é o principal e único caminho para a nossa vitória. A partir do momento em que começamos a prestar atenção em nossas vulnerabilidades, conhecemos também onde podemos agir para melhorarmos nossa condição diante da sociedade.

Mesmo após esse auto-entendimento, é necessário ainda na minha opinião, a ajuda dos também frágeis seres humanos a nossa volta, para que possamos nos fortificar e assim alavancar a nossa condição.

Hoje, visitando um site de reflexões, leio a seguinte mensagem:

"É preciso ter força para sentir a dor de um amigo,
mas é preciso coragem para sentir as próprias dores."

"É preciso ter força para esconder os próprios males,
mas é preciso coragem para demonstrá-los."

Com certeza, quando tomamos conhecimento do que somos e como podemos agir, nos tornamos pessoas melhores e vencedoras.

ítalo puccini disse...

"Enquanto na vida cotidiana ficamos quase indiferentes às misérias físicas e morais, sentimos compaixão e comiseração na leitura de um romance ou na projeção de um filme."

isso foi uma porrada em mim!!
para se refletir sobre, sem dúvida.

bom texto. ótima reflexão.

Í.ta**