sexta-feira, 13 de abril de 2007

O Buscador

Esses dias, estive relendo algumas coisas originalmente lidas no ano passado, quando decidi mudar o rumo da minha vida, e que de certa forma me ajudaram a estar aqui, postando no blog de um grupo de estudantes de Jornalismo da Cásper Líbero. Uma das coisas que li foi um conto, do argentino Jorge Bucay, e que decidi agora traduzir para o Português (livremente, já que não há traduções deste texto). Espero que aproveitem a mensagem.

"O buscador

Esta é a história de um homem que eu definiria como um buscador...
Um buscador é alguém que busca, não necessariamente alguém que encontra.
Tampouco é alguém que, necessariamente, sabe aquilo que está buscando, é simplesmente alguém para quem sua vida é uma busca.
Um dia, o buscador sentiu que devia ir até a cidade de Kammir. Ele havia aprendido a valorizar estas sensações que vinham de um lugar desconhecido de si mesmo, então deixou tudo e partiu.
Depois de dois dias de marcha pelos empoeirados caminhos, enxergou, ainda distante, Kammir. Um pouco antes de chegar à cidade, uma colina à direita do caminho chamou muito a sua atenção. Era coberta de um verde maravilhoso e havia diversas árvores, pássaros e flores encantadoras; era rodeada por todos os lados de uma espécie de pequena cerca de madeira lustrada.
... Um portãozinho de bronze o convidava a entrar.
Prontamente, sentiu que esquecia da cidade e sucumbiu à tentação de descansar por um momento nesse lugar.
O buscador atravessou o portão e começou a caminhar lentamente entre as pedras brancas que estavam distribuídas como que ao acaso, entre as árvores.
Deixou que seus olhos pairassem como mariposas em cada detalhe deste paraíso multicolorido.
Seus olhos eram os de um buscador, e talvez por isso descobriu, sobre uma das pedras, aquela inscrição:


Abdul Tareg, viveu 8 anos, 6 meses, 2 semanas e 3 dias


Surpreendeu-se um pouco ao se dar conta de que essa pedra não era simplesmente uma pedra, era uma lápide.
Sentiu pena ao pensar que uma criança de tão pouca idade estava enterrada nesse lugar.
Olhando ao seu redor, o homem se deu conta de que a pedra ao lado também tinha uma inscrição. Aproximou-se dela para ler a inscrição, que dizia:


Yamir Kalib, viveu 5 anos, 8 meses e 3 semanas,



O buscador sentiu-se terrivelmente comovido.
Este lindo lugar era um cemitério e cada pedra, uma tumba.
Uma a uma, começou a ler as lápides.
Todas tinham inscrições similares: um nome e o tempo de vida exato do morto.
Mas o que realmente lhe causou espanto, foi comprovar que quem mais tempo tinha vivido ultrapassava apenas os 11 anos....Embargado por uma terrível dor, o buscador sentou-se e pôs-se a chorar.
O cuidador do cemitério passava por ali e se aproximou. Observou o buscador chorar por um momento em silêncio e logo lhe perguntou se ele chorava por algum familiar.
- Não, nenhum familiar - disse o buscador - mas o que acontece com este povo? Que coisa tão terrível há nesta cidade? Por que tantas crianças mortas enterradas neste lugar? Qual é a horrível maldição que recai sobre esta gente, que lhes obrigou a construir um cemitério infantil?!!!
O ancião sorriu e disse:
- Você pode ficar tranquilo. Não existe tal maldição. O que acontece é que aqui temos um velho costume. Vou lhe contar...
Quando um jovem completa quinze anos, seus pais lhe presenteiam com um caderninho, como este que tenho aqui, carregando no pescoço.
E é tradição entre nós que a partir daquele momento, cada vez que alguém desfruta intensamente de alguma coisa, abre o caderninho e anota nele:


À esquerda, o que desfrutou...
À direita, quanto tempo durou o gozo.


Conheceu sua noiva, e se apaixonou por ela. Quanto tempo durou essa paixão enorme e o prazer de conhecê-la? Uma semana? Duas? Três semanas e meia?....
E depois... a emoção do primeiro beijo, o prazer maravilhoso do primeiro beijo, quanto durou? O minuto e meio do beijo? Dois dias? Uma semana?....
E a gravidez ou o nascimento do primeiro filho...?
E o casamento dos amigos...?
E a viagem mais desejada...?
E o encontro com um irmão que volta de um país distante?
Quanto tempo durou o desfrutar destas situações?... Horas, dias?....
Assim...vamos anotando no caderninho cada momento que desfrutamos...cada momento.
Quando alguém morre,
é nosso costume,
abrir seu caderninho
e somar o tempo desfrutado,
para escrevê-lo sobre sua tumba,
porque Esse é, para nós,
o único e verdadeiro tempo VIVIDO."

4 comentários:

Pedro Zambarda disse...

Ótima alegoria sobre o aproveitamento do tempo, sobre a busca objetiva da vida.

E no fundo é isso. Tenho 18 anos, mas só completei os anos que senti marcas na pele. Muitos momentos foram simples estados. Essa, talvez, é a natureza de nossa superficialidade.

Gostei também na criatividade tradutória no título.

Anônimo disse...

Achei mais fácil a compreensão da história do que o comentário de cima. O texto tem ares de piada mas, ao invés de risos, proporciona-nos uma boa lição de carpe diem.

Marília Passos disse...

Gostei da história, como o comentarista já disse, dá uma certa lição de carpe diem. Mas, com todo respeito, devo discordar. Não acho que nossa vida é apenas os momentos que desfrutamos, em que sentimos gozo.
Nos meus 18 anos, foram poucos os momentos em que me senti viva de verdade, mas nem todos foram de prazer, nem todos foram agradáveis.
Quando nos deparamos com a nossa mortalidade a sensação não é boa, mas nunca nos sentimos tão vivos como quando temos consciência de que vamos morrer.

Renato Kestener disse...

Achei a história muito interessante. Mas concordo com a Marilia no sentido de que na vida que vale a pena ser lembrada cabem apenas os momentos felizes. Tenho muitos momentos de tristeza, raiva, pena, etc. que sinto terem sido essenciais, e espero nunca esquecê-los.