quarta-feira, 28 de março de 2007

É possível manter o emprego sem perder a dignidade?

Em jornalismo por vezes nos deparamos com veículos que deixam de publicar uma notícia por causa de conflitos de interesses. Recentemente fiquei sabendo que a revista Imprensa, house-organ da Fundação Cásper Líbero, não se interessou em desenvolver uma pauta sobre a unânime rejeição dos funcionários aos novos uniformes da Fundação. Se publicassem, seria um tiro no pé, como diz o professor Celso Unzelte.
Mas nem precisamos que pautas sejam rejeitadas. Só para citar um exemplo hipotético: imagine um repórter do jornal X que é incumbido de cobrir o caso de um político assassinado. Mas logo sai a notícia que o principal suspeito é o gerente e sócio majoritário da construtora da qual o político também era sócio. O repórter continua sua apuração e logo percebe que o gerente suspeito é irmão do dono do jornal X. E agora?
O repórter vai à redação e conta tudo o que viu ao seu editor. Abafamos o caso? E a ética? Essa notícia é importante, não pode deixar de sair. É, mas o que muitas vezes acontece é que enquanto nos outros jornais essa notícia sai em primeira página, no jornal X sai apenas uma pequena nota, sem desdobramentos. O repórter não concorda, logo tem duas opções: engolir ou se demitir.
Aristóteles (nascido em Estagira, na Macedônia, em 384 a. C.) além de seus estudos sobre física, psicologia, biologia, também estudou sobre ética. A ética e a política, para Aristóteles eram duas mãos de uma mesma rua. A ética era uma disposição individual para a felicidade da pólis, enquanto que a política era uma disposição coletiva de toda a pólis para a felicidade dos indivíduos. Nesse ponto, as duas devem existir ao mesmo tempo, porque, quanto mais éticos formos, mais ética será a política da nossa cidade, por suposto, mais incentivo aos indivíduos a serem mais éticos e assim por diante.
Para ele, a virtude de caráter é uma espécie de meio-termo. A verdadeira coragem está entre o temerário (excesso) e o covarde (falta). Posições radicais apenas causam conflitos e discussões descabidas.
“Estou falando da excelência moral, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e meio termo. Por exemplo, pode-se sentir medo, confiança, desejos, cólera, piedade, e, de um modo geral, prazer e sofrimento, demais ou muito pouco, e, em ambos os casos, isto não é bom: mas experimentar estes sentimentos no momento certo, em relação aos objetos certos e às pessoas certas, e de maneira certa, é o meio termo e o melhor, e isto é característico da excelência. Há também, da mesma forma, excesso, falta e meio termo em relação às ações. Ora, a excelência moral se relaciona com as emoções e as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência moral. A excelência moral, portanto, é algo como eqüidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o meio termo. Ademais é possível errar de várias maneiras, ao passo que só é possível acertar de uma maneira (também por esta razão é fácil errar e difícil acertar – fácil errar o alvo, e difícil acertar nele); também é por isto que o excesso e a falta são características da deficiência moral, e o meio termo é uma característica da excelência moral, pois a bondade é uma só, mas a maldade é múltipla” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos, p.42)
Precisaria então, o repórter do jornal X, se demitir para manter a dignidade? Na minha opinião, não precisa ser matéria de capa, mas ao mesmo tempo ela não é tão irrelevante para uma pequena nota. Não precisa agredir moralmente o irmão do dono do jornal, mas também não se pode encobrir a verdade sobre ele. O grande problema nesse caso é de o editor e o chefe do jornal não terem nem lido Aristóteles...

Um comentário:

Pedro Zambarda disse...

...ou não terem entendido.
E o melhor é que Aristóteles foi o mestre do conhecimento empirico, ou seja, ele propunha uma fidelidade de atos, uma autonomia diante do mundo =]

Muito boa a comparação e o exemplo das aulas, Cecília.